Quem consegue pagar uma habitação de “valor moderado”?

Análise comparativa entre o conceito de “valor moderado” e a capacidade financeira das famílias residentes em Portugal

Nuno Travasso. DARQ - UC

A recente alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), introduzida por via do Decreto-Lei nº 117/2024, de 30 de Dezembro, tem por objectivo, de acordo com o seu preâmbulo, “dar satisfação às prementes necessidades de habitação”, em particular por via da “criação de soluções de venda a preços compatíveis com a capacidade financeira das famílias.” Para cumprir este objectivo, o diploma estabelece o conceito de “habitação de valor moderado”, sublinhando que “[e]ste último conceito, ora introduzido, reflete uma preocupação do legislador em responder às dificuldades generalizadas de acesso a habitação [...] na medida em que procura abranger o acesso pela classe média [...] definindo valores máximos para assegurar maior equidade.”

Tendo em vista os objectivos que justificam a criação do novo conceito, importa aferir se o modo de cálculo da habitação de “valor moderado” permite neste momento atingir, de facto, “preços compatíveis com a capacidade financeira das famílias”, como pretendido. É o que se procura fazer na análise que se apresenta de seguida.

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Impacto do “valor moderado” na reclassificação de solo rústico em solo urbano

Aitor Varea Oro. MDT-CEAU-FAUP

Entre as recentes alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, decorrentes da publicação do Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, destacam-se a possível reclassificação de solo rústico para solo urbano sem plano e a limitação do valor por m2 da venda das habitações a construir nos terrenos reclassificados a um “valor moderado”.

Segundo o diploma, “considera-se habitação de valor moderado, toda aquela em que o preço por m2 de área bruta privativa não exceda o valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o território nacional ou, se superior, 125 % do valor da mediana de preço de venda por m2 de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225 % do valor da mediana nacional”.

Para analisar o impacto deste conceito de “valor moderado”, recorremos a dois indicadores disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE):

  1. “Valor mediano das vendas por m2 de alojamentos familiares nos últimos 12 meses (€) por Localização geográfica (NUTS - 2024) e Categoria do alojamento familiar”, publicado com caráter semestral. Este indicador regista a mediana à escala municipal, discriminada segundo três categorias: total de alojamentos, alojamentos novos e alojamentos existentes. O último período disponível corresponde ao segundo semestre de 2024;
  2. “Vendas por m² de alojamentos familiares (€) por Localização geográfica (NUTS - 2024) e Quartis”. Este indicador, de caráter anual, remete para os dados de 2023, mas apresenta uma vantagem em relação ao anterior: para o total de alojamentos, além de apresentar o valor da mediana, disponibiliza os dados relativos aos 1º e 3º quartis, o que permite medir de forma mais clara o impacto da renda limite proposta.
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