1. De 1970 a 2021 - O número de casas é muito maior que o de famílias, mas muitas são residências secundárias ou estão vagas
O direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República determina que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.”
A consulta aos resultados dos censos decenais realizados pelo Instituto Nacional de Estatística permite obter dados globais sobre a evolução do total de habitações e de agregados familiares em Portugal. Para simplificar, chamaremos casas aos “alojamentos familiares clássicos” e famílias aos “agregados domésticos privados”, na atual terminologia do INE, tendo presente que estes conceitos variaram ao longo dos sucessivos censos e inquéritos realizados pelo INE. Há um enorme excedente de casas em relação ao número de famílias, mas a sua forma de ocupação e distribuição territorial é muito diversa.
Ver mais2. Entre 1970 e 2021 - Casas vagas: quantas, onde, porquê e em que estado
Em todos os momentos censitários é registado o número de alojamentos familiares clássicos vagos, distinguindo-se nestes os que foram declarados para venda ou aluguer e aqueles cujo destino se desconhece. As razões da não utilização destas casas podem ser muito diversas, entre as quais a falta de procura, o estado de conservação, a existência de processos de licenciamento para reabilitação ou demolição ou a pendência de processos de herança. Nas zonas de forte pressão urbanística e turística, há ainda a considerar a intenção de mudança de uso para alojamento local ou a expectativa de venda futura com preços muito mais altos. Nestas duas situações, os fogos vagos constituem uma reserva expectante que contribui para uma escassez artificial da oferta de habitação no mercado, com reflexos na especulação imobiliária.
A evolução, ao longo de cinco décadas, do total de alojamentos familiares clássicos vagos, destinados a venda ou aluguer ou sem motivo identificado, mostra que os fogos vagos colocados no mercado para venda ou aluguer foram sempre menos de metade de todos os fogos vagos.
Ver mais3. Proprietários e arrendatários – o que mudou em 50 anos
O regime de ocupação, como residência habitual, dos alojamentos familiares clássicos pelos agregados domésticos privados, ou seja, a forma de ocupação das casas pelas famílias, sofreu uma grande alteração desde 1970. Portugal era então um país em que perto de metade das casas de residência habitual eram “casas próprias” (em regime de propriedade ou copropriedade), sendo quase outras tantas as casas arrendadas (em regime de arrendamento ou subarrendamento). Cinco décadas depois, 70% das casas de residência habitual em Portugal estavam ocupadas pelos seus proprietários ou coproprietários, cabendo ao arrendamento apenas 22% do total.
Ver mais4. Preço das casas e rendimento das famílias – evolução no século XXI
Se houve sempre mais casas que famílias em Portugal nos últimos 50 anos, por que razão tivemos e continuamos a ter uma crise estrutural no acesso à habitação? Há vários fatores de explicação, de que salientamos quatro:
- a desigual evolução demográfica, com concentração da população na faixa litoral e nas áreas metropolitanas e desertificação do interior;
- a persistência de um elevado número de casas vagas em todo o país, incluindo nos centros metropolitanos como Lisboa e Porto
- a ausência de políticas públicas de habitação claras, estáveis e devidamente orçamentadas;
- a divergência entre preços da habitação e rendimentos per capita.
Os censos do INE dão-nos a informação relevante para análise da evolução demográfica e dos alojamentos vagos. A Linha do tempo da política de habitação, neste portal, evidencia que desde 1974 e até 2018 só houve dois grandes programas públicos de habitação, o SAAL, de 1974, e o PER, de 1993. As bases de dados analíticas da OCDE recolhem dados sobre o rácio preço/rendimento na habitação, que relaciona o índice de preços da habitação (IPH) com a evolução do rendimento per capita. Quanto mais elevado for este rácio, maior é a distância entre o preço da habitação e o rendimento per capita das pessoas. Segundo este rácio, em 2023, Portugal foi o país europeu com pior acesso à habitação.
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