Sobre a alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial - RJIGT
Aridez, clima e gestão do solo
As políticas de restauro ecológico a nível europeu incitam-nos a reduzir a artificialização do território, a reforçar os elementos de infraestrutura verde e a dar mais espaço à natureza, para preparar a adaptação às alterações climáticas e proteger a biodiversidade. O nosso Governo, em contraciclo, acha que precisamos é de facilitar a construção de habitações em novas áreas.
Enquanto esperamos pela evolução da chuva neste início de 2025 para ver se teremos de enfrentar mais um ano de seca, é importante olhar para as tendências climáticas a longo prazo. Por vezes confunde-se seca com aridez, mas enquanto uma seca é um fenómeno temporário, em que a disponibilidade hídrica se reduz devido à redução da precipitação e/ou aumento das temperaturas, a aridez, medida habitualmente através do rácio entre a precipitação e a evapotranspiração potencial para longos períodos de tempo, indica um défice significativo de humidade e é considerada uma característica climática permanente.
Ora o índice de aridez tem piorado, com o mais recente relatório da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação[1] a salientar que no período entre 1990 e 2020 dois terços da superfície terrestre tiveram condições mais áridas que nos 30 anos anteriores. Portugal não é exceção: os dados disponíveis no Observatório Nacional da Desertificação[2] indicam que as áreas suscetíveis à desertificação (semiáridas ou secas) aumentaram de 36% para 63% do território continental. É expectável, de acordo com os cenários climáticos, que a expansão destas áreas continue, com consequências potencialmente gravosas para os ecossistemas e para a atividade agrícola.
A recente polémica sobre o Decreto-Lei 117/2024, que altera o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, mostra que muitos continuam a ver o solo apenas como um espaço em branco, onde se cultiva ou constrói conforme seja mais lucrativo, escolhendo ignorar a sua importância para todos os ciclos naturais (de água, de carbono, de nutrientes), e o seu papel fundamental na biodiversidade terrestre. A legislação de ordenamento do território deveria precaver as funções críticas do solo, delimitando adequadamente as utilizações admissíveis por forma a mitigar as inevitáveis falhas de mercado.
Mesmo antes da alteração agora proposta, que facilita a passagem de solo rústico a urbano pelos municípios, o Relatório do Estado do Ordenamento do Território de 2024, que esteve em consulta pública até à semana passada[3], mostra que o território português cada vez está mais artificializado. Entre 2007 e 2018, a artificialização líquida do solo no Continente foi de 6,2 ha por dia, com as áreas metropolitanas de Porto e Lisboa a liderar. Sabendo que estas áreas, onde a pressão sobre os preços da habitação tem sido mais forte, já têm elevada percentagem de solo urbano, não se vislumbra no DL acima referido qualquer benefício real em termos de acesso à habitação pela classe média. Infelizmente, também não parece existir qualquer preocupação com as funções essenciais do solo, ecoando a ideia de que um solo sem aptidão específica não está a servir para nada.
Maior artificialização reduz a resiliência dos aglomerados urbanos face a fenómenos climáticos extremos como ondas de calor ou inundações. As políticas de restauro ecológico a nível europeu incitam-nos a reduzir a artificialização do território, a reforçar os elementos de infraestrutura verde e a dar mais espaço à Natureza, para preparar a adaptação às alterações climáticas e proteger a biodiversidade. O nosso Governo, em contraciclo, acha que precisamos é de facilitar a construção de habitações em novas áreas.
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[2] https://desertificacao.pt/index.php/suscetibilidade-a-desertificacao
[3] https://www.dgterritorio.gov.pt/download/reot/REOT_2024_DiscussãoPública.pdf