Sobre a alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial - RJIGT
Direção da APU divulga Carta Aberta dirigida ao Governo, com propostas de alteração ao DL 117/2024 e proposta de agenda de temas
Em Carta Aberta enviada ao governo em 17 de janeiro de 2025, a Associação Portuguesa de Urbanistas (APU) manifesta o seu parecer sobre o Decreto-lei 117/2024, de 30 de dezembro, que alterou o Regime Juridico dos Instrumentos de Gestão Territorial, contestando as soluções do diploma, ao qual propõem um conjunto de alterações concretas que apresentam no anexo I à Carta Aberta. Para além disso solicitam ao Governo uma reunião para debater "o que efetivamente falta fazer", com uma "proposta de agenda de temas" que consta do Anexo II à Carta Aberta.
1. A alteração ao RJIGT pelo Decreto-Lei nº 117/2024
Começamos por assinalar a nossa surpresa ao constatar que este diploma não vem incidir sobre questões essenciais previamente identificadas para melhorar o funcionamento, eficácia, eficiência e transparência do sistema de gestão territorial, não obstante os nossos contributos escritos e alertas nesse sentido. Pelo contrário, o Decreto-Lei nº 117/2024, refere uma alegada necessidade de solos para construir, sem que tal tenha qualquer demonstração fática conhecida, e sem que tenham sido identificados os concelhos onde existe falta de solo urbano para construir, ou não esteja disponível no mercado, ou operações concretas de interesse público que este diploma pretende viabilizar, nomeadamente para efeitos de execução de projetos do PRR.
Inexplicavelmente, e contraditoriamente com os propósitos constantes no preâmbulo, o Decreto-Lei nº 117/2024 revoga a exigência que constava no RJIGT para que o regime excecional de reclassificação de solo rústico para urbano tivesse fundamento precisamente na Estratégia Local de Habitação ou na Carta Municipal de Habitação. Tendo em conta que mais de 90% dos municípios já dispõem de Estratégia Local de Habitação esta decisão suscita as seguintes questões:
- Por que razão foi revogada esta condição de fundamentação de necessidade habitacional?
- Que operações urbanísticas se pretendem viabilizar que não tenham cabimento em instrumentos de política de habitação municipal?
Solicitamos ainda que o Governo divulgue os estudos de fundamentação e casos concretos que vieram a justificar esta iniciativa legislativa, nomeadamente os casos que estão a impedir qualquer execução do PRR, pois os projetos aprovados têm terrenos já definidos e compatíveis com os planos territoriais municipais.
Os documentos de fundamentação técnica do Decreto-Lei nº 117/2024, tratando-se de documentos administrativos, são do interesse geral e essenciais para compreender o que o Governo propõe e para o debate público sobre este tema, pelo que devem ser disponibilizados.
Através do nosso comunicado de 30/12/2024 tomámos uma posição pública a expressar a nossa preocupação com os efeitos indesejados que daqui podem resultar para o ordenamento do território e para a economia, e ainda a frustração que irá gerar na população face às expectativas criadas de melhoria de acesso a habitação para quem não consegue fazê-lo a preços de mercado, atenta a manifesta inadequação dos mecanismos de parametrização do preço da habitação e de transmissões subsequentes.
Consideramos ainda que este diploma permite gerar mais-valias puras (resultantes de ato administrativo que altera radicalmente o seu aproveitamento potencial e valor económico), e respetiva apropriação privada sem gerar valor de interesse público.
Não obstante, e mantendo o sentido construtivo que orienta a nossa atuação, vimos apresentar propostas de melhoria deste diploma relativamente aos aspetos que consideramos mais significativos, caso não venha a ser revogado pelo Parlamento no âmbito da apreciação parlamentar em curso.
As propostas de alteração estão disponíveis no Anexo 1, em baixo
2. O que consideramos que efetivamente falta fazer: proposta de agenda de temas
Ao longo dos últimos meses a Associação Portuguesa de Urbanistas (APU) enviou 4 relatórios com avaliação / balanço dos diplomas legais estruturantes do quadro legal do ordenamento do território e urbanismo, tendo estes documentos sido entregues ao Governo via Secretaria de Estado da Habitação, com conhecimento ao Senhor Secretário de Estado das Autarquias Locais e Ordenamento do Território (SEALOT). Estes relatórios foram, entretanto, remetidos a todos os grupos parlamentares visto ser essa a única sede de debate sobre as alterações ao RJIGT que estão em curso, não obstante termos antecipadamente disponibilizado a nossa colaboração em reunião de 24/09/2024 com o Senhor SEALOT, na qual foi expressamente abordado o tema da reclassificação de solos rústicos para solos urbanos.
Gostaríamos que as associações profissionais, incluindo a APU, constituída por urbanistas de diversas formações técnicas de base, e cujos membros exercem a sua profissão quer no setor público, quer no setor privado, pudessem trazer experiência e conhecimento técnico para melhorar a prática profissional nas instituições e o enquadramento legal do ordenamento do território, do urbanismo e matérias conexas.
Consideramos essencial que o processo legislativo seja tecnicamente fundamentado por quem esteja habilitado a fazê-lo em razão de matéria, que seja adequado à realidade e necessidades do País, das regiões e dos concelhos, pelo que solicitamos a V. Exa. uma reunião para podermos identificar um conjunto de temas que carecem de ser melhorados e para os quais poderemos trazer contributos concretos, devidamente fundamentados, para além do que deve ser reponderado quanto ao Decreto-Lei nº 117/2024.
A proposta de agenda de alguns temas está disponível no Anexo II, em baixo.