Sobre a alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial - RJIGT

Para quê alterar a Lei dos Solos?

Manuel Salgado, Expresso

O diagnostico da crise da Habitação está feito. Varias medidas tem de ser tomadas e uma delas é aumentar a oferta. E como para construir casas é preciso terreno urbanizado, o Governo pretende, que por alteração simplificada do PDM se possa construir em terreno rústico.

Vários argumentos contra tem sido esgrimidos. Que não se ponderaram os custos ambientais, nem de agravamento das infra-estruturas gerais por se dispersar a construção, que a condição de habitação acessível caiu, que é resposta à pressão do lobby da construção e abrir a porta à corrupção.

Discordo mas por outras razões. Primeiro: alterar a lei para cumprir o PRR já não é alcançável, o tempo útil já passou. Segundo: onde era mais necessário construir não há solo rústico. Terceiro: não é por falta de terreno urbanizado que não se constrói habitação.

 

É verdade que alterar a classificação do solo de rústico para urbano, seja por suspensão seja por alteração do PDM, é um processo administrativo demorado, que necessita de concertação com diversas entidades publicas.

Mas o que se propõe em alternativa ? Acabar de vez com a tutela das entidades ? Da CCDR? Do Ambiente ?

Em Lisboa e no Porto, onde não há terreno rústico logo a Lei não se aplica, tal como em outros Municípios onde a falta de habitação mais se faz sentir, há uma grande quantidade de terreno já urbanizado parado, em alguns casos há décadas, à espera de maior valorização. Só em Lisboa esses terrenos tem capacidade para construir mais de 15.000 fogos.

Até ao fim da década de 80, quando começaram a entrar em vigor os PDM da primeira geração, as cidades cresciam com a aprovação de Loteamentos. Loteamentos aprovados, urbanizados ou não, sem construção, foram integrados nos PDM como direitos adquiridos. Nesses PDM a área de expansão foi calculada tendo em consideração o crescimento demográfico das décadas de 60 e 70 , que na Area Metropolitana de Lisboa foi de 77% e do Porto de 33%, taxas de crescimento que nem de perto se vieram a repetir. Resultou assim uma reserva de expansão exageradissima, que levou a que, em 2014, depois de somadas as áreas urbanizadas e urbanizáveis em todos os PDM em vigor , se tenha concluído que havia solo aprovado para construção com capacidade para duplicar a população portuguesa.

Na altura o Governo, aliás do PSD, fez bem em estancar esse crescimento descontrolado, dando um prazo aos Municípios para que os PDM fossem alterados para que o solo classificado como urbanizável voltasse à classificação de rústico. Esse prazo foi sucessivamente adiado até ao final de 2023. No fundo, com a alteração agora proposta o que se pretende é remover o travão anterior, indo mais longe ainda porque se admite que se construa em terrenos da RAN e da REN, com o pretexto de que falta solo para construir habitação.

É um facto que não se constrói habitação sem terreno, mas para isso não é preciso construir em terrenos rústicos, mas sim mobilizar os terrenos que já estão urbanizados, no interior dos perímetros urbanos, “entesourados” na expressão de Marcelo Caetano, à espera de se valorizarem.

Não é necessário alterar a Lei, basta aplicar o art 112-B do Código do IMI ,agravado anualmente, pelo tempo em que o terreno continuar sem utilização, sendo a receita arrecadada destinada às políticas municipais de habitação.. Mas pode-se ir mais longe, a Lei dos Solos de 2014, também prevê, após intimação à realização de obras, a possibilidade de venda forçada ou de expropriação pela Administração para construir habitação.

É claro que se pode argumentar que os terrenos não são utilizados porque a construção está tão cara que o preço final das habitações fica proibitivo. Procurem se então novas formas de construir apostando na indústria e não na promoção tradicional.

E que não se apelide de bolchevista um programa destes. O melhor que temos em Lisboa, construído de meados do Século XX para cá, são Alvalade, Olivais, Telheiras, Alto do Restelo e o Parque das Nações, tudo grandes operações feitas em solo público, com planos elaborados e executados pela Administração, nuns casos com a construção das casas feita pelo Estado, noutros por empresas municipais ou de capital publico e noutros ainda por privados em lotes adquiridos à Administração ou, no caso do Parque das Nações à empresa de capitais públicos gestora do empreendimento.

Para combater a crise, entre outras coisas, é preciso aumentar a oferta de habitação a preços que sejam acessíveis à maioria dos portugueses para o que é necessário urbanizar com qualidade e construir mais barato, uma resposta que historicamente passou pela promoção publica.