Alterações na especialidade ao DL 117/2024 - ou como tentar endireitar a sombra de um vara torta
texto revisto
A votação da especialidade das propostas de alteração ao Decreto-lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro, em apreciação parlamentar na 6ª Comissão (Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação) foi adiada para dia 26 de fevereiro. O diploma provocou uma onda de críticas na opinião pública por pretender que mais solos rústicos possam ser reclassificados como urbanos de forma expedita para neles ser permitida a construção de habitação.
As propostas de alteração às propostas de alteração que vão ser votadas
O que está em causa não é exatamente uma alteração à lei dos solos, mas sim ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), ou seja, às regras sobre os planos territoriais, nomeadamente as que permitem classificar um terreno como solo rústico ou urbano. No solo rústico não é permitido construir como no solo urbano, por isso a simples reclassificação de um solo rústico como solo urbano traduz-se sempre num aumento exponencial do preço. As alterações introduzidas pelo DL 117/2024 foram no sentido de facilitar esta reclassificação, que deveria ser excecional e sempre muito bem fundamentada, para “libertar” solo e com isso baixar o preço final da habitação, como argumentou o governo. O argumento foi contrariado por muitos especialistas e estudos publicados e continua por provar. Distorcer o regime dos planos territoriais, mesmo com o controle de danos que se alcance em sede de especialidade, não será mais que tentar "endireitar a sombra de uma vara torta".
A apreciação parlamentar do DL 117/2024, publicado em dezembro e considerado pelo Presidente, quando o promulgou, uma "entorse" significativa, foi requerida por 4 partidos (BE, PCP, Livre e PAN) no dia 2 de janeiro. A proposta de revogação imediata do diploma que propuseram não passou na AR. As propostas de alteração do PSD, CH e PS, entretanto apresentadas, baixaram à 6ª Comissão para apreciação na especialidade. Os outros grupos parlamentares, por sua vez, apresentaram propostas de alteração às propostas de alteração iniciais, o que torna cada vez mais complexo o processo legislativo de um diploma que já era, ele próprio, uma alteração do RJIGT.
É possível que sejam aprovadas algumas das alterações apresentadas, em especial as do PS que o Governo e o PSD se comprometeram a aprovar durante o debate na generalidade. Com efeito, o PS condicionou a sua abstenção na generalidade ao acordo do governo e PSD em 4 questões: eliminar o novo conceito de “valor moderado” e substituí-lo pelo do arrendamento acessível, nos fogos para arrendamento, e de habitação a custos controlados nos fogos para venda; repor a obrigação de os solos rústicos a reclassificar serem sempre contíguos a solos urbanos existentes; exigir um parecer não vinculativo da CCDR sempre que se trate de solos não públicos; e impor um prazo limitado para vigência da lei, a fim de serem avaliados os seus efeitos.
Consultando as 33 páginas do mapa comparativo que o Contador elaborou com base em todas as propostas de alteração disponíveis no site da AR, é legítimo interrogar-se sobre a legibilidade e coerência do diploma que daqui resultar.
Veja em baixo o Mapa comparativo das propostas de alteração iniciais do CH, PS e PSD e das proposta de alteração de vários grupos parlamentares às propostas iniciais.