Solo rústico e solo urbano - em que ficamos?

O Contador

A Assembleia da República suscitou a apreciação parlamentar do Decreto-lei 117/2024, de 30 de dezembro, que permite reclassificar solo rústico como solo urbano de forma excecional e apenas por decisão municipal. Mas a proposta de revogação imediata do diploma, apresentada pelo Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN, foi rejeitada e o diploma entra em vigor, tal como está, em 29 de janeiro. Entretanto, foram apresentadas propostas de alteração na especialidade pelo Chega, PS e PSD, cujo mapa comparativo pode consultar em baixo.

Recorde-se que a distinção entre solo rústico e solo urbano é essencial para o ordenamento do território mas também para o mercado imobiliário, uma vez que o solo urbano é muito mais caro que o solo rústico. A simples reclassificação de um terreno rústico como terreno urbano pode gerar mais-valias urbanísticas milionárias. A Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN) podem agora ser alteradas sem sequer ouvir quem as tutela. São boas razões para que que a sociedade civil continue a acompanhar este processo.

 

O que pode agora ser feito para alterar um diploma que o Presidente da República considerou uma “entorse significativa”?

O diploma, tal como promulgado pelo Presidente da República, entra em vigor no dia 29 de janeiro. As propostas de alteração baixaram no dia 24 de janeiro à 6ª Comissão e têm de ser debatidas e votadas [1]. Se alguma das alterações propostas, ou uma nova redação construída na comissão, for aprovada na especialidade por maioria, irá a plenário para ser confirmada em votação final. Caso seja aprovada, segue para promulgação pelo Presidente e posterior publicação em Diário da República. Só nessa altura é que o que tiver sido alterado entra em vigor.

Se nenhuma alteração for aprovada, a lei fica como está. Entretanto o diploma, mesmo sem estar em vigor, já está a ter repercussões nas expectativas e atuações dos agentes imobiliários. O mercado antecipa resultados mais depressa do que a lei.

O que pretendem os partidos que propõem alterações?

A proposta do Chega centra-se num único artigo, o artigo 72.º B, que estabelece o referido regime especial de reclassificação para solo urbano quando a finalidade é “habitacional e usos complementares”. O Chega pretende que esta reclassificação seja obrigatoriamente submetida a parecer de entidade independente do município e fundamentada tecnicamente de forma detalhada e não sumária, como o diploma determina. Além disso, sempre que haja alterações à Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou à Reserva Ecológica Nacional (REN), o Chega propõe que o município tenha de promover uma conferência procedimental com todos os órgãos, serviços e entidades a quem cabe a tutela da RAN e da REN, a realizar no prazo de 20 dias para efeitos de emissão de pareceres vinculativos. O CH propõe ainda alterar o conceito de habitação de “valor moderado” que consta do diploma, eliminando os limites relacionados com a mediana nacional do valor de venda por m2 e mantendo apenas a mediana municipal relativa a fogos novos, divulgada pelo INE.

A proposta do PS incide em quatro artigos, 72.º, 72.º A, 123.º e 199.º, e adita um novo artigo sobre o prazo de vigência deste regime excecional. As alterações propostas visam, essencialmente:

  • limitar o regime excecional de reclassificação de solo rústico aos casos em que não haja áreas urbanas disponíveis, exigindo sempre uma fundamentação detalhada;
  • assegurar a contiguidade entre os solos rústicos a reclassificar como urbanos e os solos urbanos já existentes;
  • substituir o novo conceito de preço de venda a “valor moderado” pelos conceitos legais já existentes de habitação a custos controlados ou habitação para arrendamento acessível;
  • alargar a toda a REN, e não apenas a parte dela, a proibição de reclassificar solos rústicos através deste regime excecional;
  • obrigar a que qualquer alteração simplificada dos planos territoriais existentes, quando abranja terrenos privados, seja obrigatoriamente sujeita pela câmara municipal a parecer não vinculativo sobre a conformidade com os programas e planos existentes, a emitir em 20 dias pela comissão de coordenação e desenvolvimento regional, devendo a câmara promover para o efeito uma conferência procedimental.
  • limitar a vigência do regime excecional de reclassificação de solo rústico como solo urbano a 3 anos e submeter qualquer prorrogação deste prazo à Assembleia da República, com uma avaliação detalhada dos resultados.

As propostas do PSD incidem apenas no artigo 199.º, intitulado “classificação do solo” e visam precisões de redação.

 

 

 

 

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[1] As propostas de alteração ao DL n.º 117/2024 estão disponíveis no portal da Assembleia da República, na página da apreciação parlamentar nº 6/XVI/1ª

Mapa comparativo das propostas de alteração na especialidade ao Decreto-lei 117/2024, de 30 de dezembro
O mapa compara a redação dada pelo Decreto-Lei 117/2024, de 30 de Dezembro ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-lei 80/2015, de
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